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Martin Aurelio: Os Quatro Elementos de Identidade Nacional em Heródoto


A noção clássica ocidental de identidade vem-nos de Histórias de Heródoto, escrito no século V a.C. É de Heródoto que temos a história dos 300 espartanos nas Termópilas, contada no contexto mais amplo da resistência bem sucedida do mundo helênico à invasão persa. Para isso, os espartanos (dorianos) e atenienses (íonianos) tiveram que superar suas diferenças e unir-se para defender o que era comum a ambos como gregos.

No livro VIII, há uma cena em que os atenienses explicam a um mensageiro de Esparta porque os espartanos devem se aliar com os atenienses e não com os persas. (Deve-se lembrar que tanto os gregos antigos como os antigos persas eram povos indo-europeus.)

"Primeiramente e mais importante, é que as imagens e edifícios dos deuses foram queimados e demolidos, de modo que somos obrigados pela necessidade de exigir a maior vingança sobre o homem que realizou essas ações, em vez de fazer acordos com ele. E segundo, não seria apropriado para os atenienses pôr à prova traidores ao povo grego, com o qual estamos unidos por partilhar o mesmo parentesco e linguagem, com quem estabelecemos santuários e conduzimos sacrifícios aos deuses juntos, e com quem nós também compartilhamos o mesmo modo de vida."(VIII: 144.2)

Nesta passagem há pelo menos quatro critérios para ser um grego, ou helênico: religião comum, sangue comum, linguagem comum e costumes comuns. (Pode-se argumentar que os costumes são quase inteiramente derivados da religião e do sangue, mas vamos nos ater à formulação de quatro partes no texto.) Isso foi há 2500 anos, mas na minha opinião, esta ainda é a melhor e mais abrangente definição do funcionamento da identidade nacional. Isto é porque se pode extraí-la desta situação particular na história antiga e aplicá-la praticamente em qualquer lugar do mundo a qualquer momento. Os quatro elementos de identidade estão presentes ou ausentes, em graus variados, e um povo é correspondentemente forte ou fraco.

A história da resistência grega contra a tirania persa é a história da auto-realização e auto-atualização de um povo. Quando os quatro elementos da identidade estão no lugar, eles trabalham juntos sinergicamente para formar uma espécie de corpo coletivo, capaz de funcionar como um todo orgânico. O exército persa era numericamente muito mais forte do que o grego, mas a maioria de seus soldados eram recrutas de territórios conquistados que foram forçados a servir. Eles eram persas apenas de nome.

É interessante notar que os atenienses dizem ao mensageiro espartano que a razão mais importante para se opor aos persas é a profanação dos santuários religiosos gregos. (Deve-se lembrar que os espartanos eram conhecidos como os guerreiros mais ferozes do mundo antigo e também os mais devotos, dividindo seu tempo de forma mais ou menos igual entre treinamento militar e ritual religioso.) A noção clássica de identidade apoia assim a visão tradicionalista da primazia da fé religiosa - que "a cultura vem do culto", como Russell Kirk disse - mas também a verifica, incluindo os outros critérios. A fé comum, por si só, não será suficiente, mesmo que seja, em última instância, o fator unificador mais importante de uma cultura.

Deve-se notar também que a definição clássica de identidade vem-nos de um tempo antes do reinado do Homo economicus. (Mesmo assim, Heródoto descreve o rei persa Ciro zombando dos atenienses por ter "um lugar designado no meio de sua cidade [a Ágora, o mercado] em que se reúnem para enganar uns aos outros"). [A identidade] É uma fórmula para a coesão de um povo e a saúde de uma cultura. Não é necessariamente uma fórmula de dominação no mundo, particularmente o domínio econômico.

Por fim, a definição clássica de identidade representa um ideal, um padrão. Assim como em outras normas, existem desvios e variações. Em outra parte de Histórias, Heródoto diz-nos que os atenienses eram originalmente Pelasgos - habitantes pré-indo-europeus da Grécia - que "aprenderam uma nova língua quando se tornaram helenos". (I: 57.3 - I: 58) A influência dominante na cultura e a identidade clássica grega era provavelmente dórica, os indo-europeus que conquistaram o norte da Grécia. Mas esses pelasgianos aparentemente eram capazes de assimilar e "se tornarem helenos", embora a história nos mostre que Atenas sempre foi cultural e espiritualmente diferente de Esparta. Ainda assim, na época da guerra greco-persa, os atenienses e espartanos devem ter tido o suficiente em comum para os atenienses citar os quatro elementos de sua identidade comum para o mensageiro espartano.

Mas quanto mais se afasta da definição quadripartida clássica de identidade, mais a força e a coesão de um povo é diluída. Isso ocorre porque os elementos que dão origem aos sentimentos de alteridade ganham em poder e, consequentemente, os elementos de comunhão diminuem. Identidade clássica funciona porque é baseado na natureza, tanto a natureza psicológica humana e em escala maior na natureza biológica.

Aplicando este modelo à história da civilização ocidental, podemos ver que o pico da identidade ocidental em termos de coesão e força foi provavelmente na Idade Média. Apesar da diversidade dos costumes e das línguas europeias, o latim era a língua franca (língua comum) que unia os povos cultos de todos os países europeus, e o cristianismo era a fé de todo o continente. Podia-se ir a qualquer igreja na Europa Ocidental e participar da mesma missa latina. A identidade racial dos europeus era, penso eu, um dado - um fato óbvio da natureza que não precisa sequer ser abordado. Todo este cenário contrasta com a Europa contemporânea e a América do Norte, onde a diversidade racial, linguística, religiosa e cultural é levada a mais e mais extremos, com consequências previsíveis.

A reunião do grande mundo helênico para resistir à invasão persa oferece uma inspiração e um modelo para povos ocidentais contemporâneos que valorizam sua identidade e herança. No entanto, deve-se também lembrar que, em última instância, as diferenças entre Atenas e Esparta provaram ser maiores do que suas semelhanças, e as duas cidades-estado destruíram-se na Guerra do Peloponeso, apenas cinquenta anos depois da vitória compartilhada sobre os persas.

Talvez o quinto elemento não dito da identidade seja um inimigo comum.

 

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