Dominique Venner: A Metafísica da Memória
- Traduzido por Bertram Schweickert
- 23 de dez. de 2016
- 3 min de leitura
“Memória” é uma palavra que sofreu usos abusivos. Assim como a palavra “amor”, o que não significa que não possa ser usada em seu sentido pleno. É a força da memória, transmitida no seio da família, que faz com que a comunidade sobreviva, apesar das ameaças que buscam sua dissolução. É a profunda “memória” dos chineses, japoneses, judeus e outros povos que lhes permitiu superar os perigos e perseguições a que cada povo é herdeiro. Para seu infortúnio, devido à ruptura de sua história, os europeus foram privados de sua memória.
Lembro-me desta ruptura cada vez que os alunos me pedem para falar sobre o futuro da Europa. Pois sempre que a palavra “Europa” é pronunciada, ela evoca uma série de ambiguidades. Para alguns, evoca a União Europeia, positivamente ou negativamente, na medida em que não é um “poder”. Para evitar confusão, sempre específico que a Europa de que falo não é a Europa no sentido político. Guiado pelo princípio de Epiteto de distinguir entre “o que depende de nós e o que não depende”, sei que depende de mim basear a minha vida em valores europeus autênticos, ao passo que não tenho voz alguma sobre a política que a Europa segue. Também sei que sem uma ideia animadora, não há ação coerente, (política ou qualquer outra).
Esta ideia animadora está enraizada na consciência da civilização européia, uma consciência que transcende suas regiões e nações. Você pode ser bretão ou romano, francês e europeu, filho da mesma civilização que sobreviveu ao longo dos séculos, desde sua primeira cristalização nos poemas homéricos.
“Uma civilização”, diz Fernand Braudel, “é uma continuidade, mesmo quando ela muda profundamente, como quando adota uma nova religião, pois incorpora seus valores ancestrais no novo, mantendo sua substância”. Para essa continuidade, somos obrigados a ser quem somos.
Por mais diversos que sejam, os homens só existem naquilo que os distingue uns dos outros – clãs, povos, nações, culturas e civilizações – e não pela sua animalidade, que é universal. A sexualidade é comum a toda a humanidade, assim como a necessidade de comer. Contudo o amor, como a gastronomia, é distinto de cada civilização, ou seja, é o resultado de um longo esforço consciente. Como os europeus concebem o amor, já era evidente nos poemas homéricos, como exibido por personagens distintos como Helena, Nausícaa, Heitor, Andrômaca, Ulisses ou Penélope. O tipo de amor evidenciado através destes personagens é completamente diferente daquele encontrado nas grandes civilizações asiáticas, cujo refinamento e beleza são uma questão de registro.
A ideia que fazemos do amor não é mais frívola do que o sentido trágico da história que caracteriza o espírito europeu. Define a civilização, seu espírito imanente e o sentido da vida de cada pessoa, como a ideia que fazemos do trabalho. Este tem por único fim “fazer dinheiro”, como se pensa em todo o Atlântico; ou ao contrário, assegurando uma justa retribuição – a realização pessoal de um trabalho bem feito, mesmo em tarefas aparentemente triviais como a manutenção do lar. Esta ideia estimulou nossos antepassados a criar beleza em seus humildes e mais elevados esforços. Ser consciente da ideia é dar um sentido metafísico à “memória”.
Cultivar nossa “memória”, transmiti-la viva aos nossos filhos, contemplar as provações que a história nos impôs – isso é necessário para qualquer renascimento. Diante dos desafios sem precedentes que as catástrofes do século XX nos impuseram e da terrível desmoralização que tem promovido, descobriremos na reconquista de nossa “memória” étnica e identitária a maneira de responder a esses desafios, desconhecidos de nossos ancestrais, que viviam em um mundo estável, forte e protegido.
Fonte: "Métaphysique de la mémoire", La Nouvelle Revue d'Histoire n. 40 (Janeiro-Fevereiro de 2009).

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