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Trumpismo e a Reconstrução do Império Americano


*Nota do Tradutor: é importante ressaltar que os termos Conservador, refere-se à Direita Política americana, enquanto que Liberal à Esquerda Política. O Partido Republicano é considerado Conservador, enquanto que o Democrata é liberal.

Os Estados Unidos são um país sem igual. Ao mesmo tempo, os EUA se imaginam como modelo para todas as outras nações na terra. Sendo um grande e poderoso império continental, detendo o direito de taxar centenas de milhões de almas, detendo o poder de fazer chover fogo sobre qualquer povo no planeta que invoque sua ira, detendo a tecnologia para espalhar sua crença dentro do núcleo de toda a humanidade, e detendo a habilidade de extorquir concessões políticas de outros estados somente pedindo, os Estados Unidos se veem a sós no mundo, porém também se encontram em qualquer esquina ou aparelho portátil.

Entretanto, apesar de impressionante tanto no papel quanto em seu volumoso conjunto de feitos, o império corre perigo.

Durante a 45ª cerimônia de inauguração do presidente dos Estados Unidos, o soberano em exercício discursou de forma sombria sobre as calamidades que haviam atingido seu amado país (através de palavras imaginativas como "lápides" e "carnificinas"). De fato, era difícil de acreditar que este era o discurso de um presidente pós-Guerra Fria. A morte da indústria e da humanidade andaram de mãos dadas enquanto Donald J. Trump enumerava as pragas que assolavam os Estados Unidos e como ele prometia consertá-las — para "fazer a América grande novamente", numa formulação revanchista.

Que ideia, de fato. Se a América já era grande antes é uma questão de semântica e partidarismo. Certamente para aqueles pertencentes à atual Direita política, a América já era grande em termos de liberdade econômica, religiosa e intelectual, sem igual na maior parte do mundo, enquanto para a Esquerda a América é simplesmente um local onde muitas pessoas lutam para se libertar das correntes opressoras - tais como raça, classe e gênero. Quaisquer apelos à grandeza americana em tempos passados seriam definitivamente revoltantes para aqueles à Esquerda, pois nessa época o "racismo" e o "sexismo" rolavam à solta.

Aqueles na Direita americana também se encontram numa posição curiosa, pois são conservadores de uma revolução liberal contra a monarquia e a hierarquia. Assim, eles meramente guardam o mais recentemente cimentado avanço do liberalismo contra novas iterações. Desta forma, a grandeza significa algo que vagarosamente segue atrás de um presente em constante mutação. Talvez um dia George W. Bush seja considerado grandioso pelos conservadores americanos. Enquanto isso a Esquerda americana tem se incumbido de destruir as bases da experiência humana, transformando homens em anjos e inaugurando uma nova era de progresso. O fim da raça, gênero, classe, família e tradição são vistos como objetivos finais da civilização, uma vez que, pensam eles, estão todos relacionados a um sistema de exploração injusta.

Assim, nos Estados Unidos, as opiniões políticas têm se limitado, até agora, à fidelidade dos conservadores à Constituição (mesmo que seguidamente modificada por liberais) ou ao projeto liberal de gerir um experimento sociológico.

Será que o bilionário líder do povo, atualmente no poder, se preocupa com tais questões de esquerda e direita? Ele construiu seu apoio a partir da direita e depende muito de sua voz e de seu voto, porém o magnata de Manhattan é de Nova Iorque, tendo passado sua vida inteira lá. A turbulenta multidão de sua cidade natal tem constantemente se alternado e entregue a coroa a sucessivos líderes republicanos, democratas e independentes. Um ambiente desses claramente privilegia o poder em detrimento à política e aos princípios ideológicos.

Trump é um político bom o suficiente para ganhar uma eleição mesmo não tendo o voto popular majoritário; para apelidar seus inimigos e arregimentar tropas e destruí-los no campo de batalha; e para direcionar a atenção mundial como se ele fosse um rei (sem o título). Porém através de seu poder pessoal, Trump já era o "Deus-Imperador" na sua vida civil; sua marca e sua grana já eram influentes o bastante para lhe fornecer quase qualquer coisa que quisesse. Agora ele é o homem mais poderoso do mundo. E sua teimosa busca em restaurar a grandeza supera tanto os conservadores (saudosos dos anos 1980), quanto os liberais (ansiosos pelos anos 2040).

Mas se este homem, cujos antigos aliados parecem indicar que é praticamente iliterado e bibliofóbico, possui qualquer ideologia, não é uma ideologia complexa nem intrigante. Não há nada muito profundo, exceto um amor pelo Estado e a preocupação em construir coisas, seja infraestrutura, sua imagem ou instituições. Muitos comentadores, de todas crenças políticas, têm chamado Trump de populista, nacionalista ou ambos, jargões que pegaram. São também razoavelmente precisos, pois o nacionalismo e o populismo são inseparáveis da modernidade e da democracia de massas. Se esses sentimentos e seus respectivos cabedais ideológicos tivessem desaparecido, teríamos de nos perguntar com seriedade se a democracia de massas ainda existiria. Afinal, em que os eleitores votam numa democracia de massas senão em seus próprios interesses econômicos e/ou tribais?

A democracia está viva na América e Trump é um sinal disso. Apesar do descontentamento com o fato de que Trump perdeu no voto popular, ele venceu no voto da democracia de massas, isto é, da maioria étnica. O eleitorado branco separa suas lealdades políticas baseado nos problemas, na sua localização e no político em questão. O eleitorado branco não se fideliza a um partido em especial tão comumente quanto o eleitorado afro-americano ou latino. O eleitor branco precisa estar ou ser convencido a escolher um político em detrimento de outro. A oponente de Trump obteve maus resultados dentro desse grupo, ganhando em vez disso uma miríade de interesses de facções, por exemplo, minorias étnicas, minorias sexuais, mulheres sem filhos e membros da elite da maioria étnica (eles próprios uma minoria). Acontece que, nos Estados Unidos, as facções baseadas em identidades alternativas às da maioria étnica são tão numerosas, ao ponto de tornarem uma expressão natural da maioria étnica uma eleição inesperada.

Tamanha diversidade é a prova mais reluzente de um império, pois a homogeneidade é impossibilitada à medida que a população cresce e o território pertencente ao Estado se expande. Isso cria tensões que podem acender conflitos. Uma das causas negligenciadas da Guerra Civil Americana é a expansão em direção ao oeste. Tudo bem dizer que o Norte era contra a escravidão, enquanto o Sul dependia dela. Mas, no fim, o problema residia na distribuição entre os estados americanos das terras compradas e conquistadas, que haviam se expandido ao longo do tempo. Por fim, o clero e a burguesia da Nova Inglaterra, juntamente aos seus apoiadores, derrotaram a aristocracia rural do Sul. Já era complicado unir treze subdivisões; na época da Guerra Civil, quase um século depois, os estados rebeldes sozinhos somavam onze. Com diferentes formações históricas e atitudes divergentes em relação ao governo e à sociedade, percebemos hoje que essas facções estavam numa rota certeira de colisão.

*Os Estados Unidos hoje são muito maiores e mais diversificados em todos os sentidos possíveis, mas seus governantes aparentemente se tornaram mais aptos a prevenir conflitos armados prolongados e de grande escala entre os interesses das facções. O que parece ser uma questão muito mais complicada para as cidades sem filhos, para os guetos violentos, para os subúrbios drogados e para os peões de fábicra, está criando um propósito para a numerosa massa de uma civilização em declínio que consegue se alimentar e se divertir, mas realizar pouco em termo de mérito ou prestígio. Esse problema é gerenciado menos facilmente, mas talvez tão perigoso quanto. O desafio para qualquer soberano do império americano é, basicamente, a gestão da escala: como você impede o país de se tornar uma mistura entre uma guerra na Bósnia e o ralo comportamental de Calhoun à medida que o país se torna mais populoso e menos homogêneo?

O que nos leva ao atual soberano, o Presidente Trump, que deu voz à massa de brancos insatisfeitos com a direção que o país estava tomando e sentiu que a América, como uma ideia e um lugar, tinha perdido significado e valor. Ele os motivou de uma maneira que os outros candidatos não conseguiram. Seus inimigos alegam que ele foi alçado ao poder por "whitelash", ou seja, pelos votos de americanos irritados de baixa e média classe, incomodados pela compleição em mudança dos Estados Unidos.

Ambas as interpretações têm verdade nelas. O que vimos em Trump é apenas uma das muitas manifestações de conflitos sociais baseados na identidade que podem surgir da diversidade e das mudanças de status. A imprensa acusou Trump de fortalecer uma corrente de "supremacia branca" nos Estados Unidos, o que, se nada mais, é apenas um pretexto para todo o espectro político americano denunciá-lo, em vez de ser um rótulo exato. Criticamente falando, se Trump fosse algum tipo de supremacista branco, seria difícil levá-lo a sério, pois ele tem filhos e netos judeus e rotineiramente faz apelos à inclusão de "americanos-hifenizados¹" na sociedade e na política. Os supremacistas brancos de verdade dificilmente seriam unânimes nesse sentido.

Na verdade, Trump apenas ganhou o voto da massa de brancos, pessoas com um sentimento de apego patriótico e enraizado à terra de seus pais, pessoas que são capazes de realmente debater políticas ao invés de voltar à zona de conforto do consenso grupal agressivo da maioria dos grupos minoritários. Os substratos fundadores do império americano estão, em uma palavra, infelizes. E deveriam estar, pois a sua capacidade de praticar o diálogo político majoritário deixará de existir se eles se tornarem uma minoria. A sobrevivência se tornará o único instinto político, sem a ponderação dos prós e contras das políticas abstratas. Os temores sobre a mudança de face não são injustificados e eles não fazem algum mal. Certamente nunca houve uma classe tão miserável de "supremacistas" como os eleitores desanimados das cidades industriais abandonadas que estão pulando de um partido que afirma ser que eles (eleitores) são malignos a um que afirma que eles não serão esquecidos.

Trump, então, dificilmente é o porta-estandarte da supremacia branca. Além disso, ele obteve uma parcela maior de votos minoritários que Mitt Romney (que também foi rotulado de branco racista malvado). Se Trump é um nacionalista - e parece ser o caso - a qual nação ele é leal? Ao contrário do dicionário do inglês americano, os Estados Unidos não são uma "nação" em nenhum sentido real e nação não é apenas um sinônimo de "país". Uma nação é muito mais historicamente enraizada, ancestralmente relacionada e culturalmente homogênea , como Japão, Alemanha, Coréia, França ou Inglaterra. Não há uma única nação americana por esta definição já que, ao observar a demografia e as culturas dos Estados Unidos, não somente se encontra uma pletora de culturas com séculos de desenvolvimento (por exemplo, do Sul, afro-americana, dos Apalaches, do Meio-Oeste), como também culturas totalmente transplantadas (por exemplo, hispânica, ítalo-americana, judia, islâmica). No maior nível de agregação, talvez fosse possível falar em uma nação branca ou uma nação negra dentro dos Estados Unidos, mas mesmo assim uma grande minoria de brancos se oporiam inteiramente a Trump.

Provavelmente Trump é leal a várias nações americanas, e elas, por sua vez, são leais a ele por tê-lo eleito, mas isso se torna inviável no chamado plano nacional. Governar tão somente em nome de uma determinada constelação de povos e negligenciar totalmente os outros seria uma receita para a agitação civil crescente. Simplesmente não é como se mantém um império unido. Suponhamos que Trump governasse inteiramente no interesse dos americanos brancos "não-universitários". Ele não vai fazer isso, mas se o fizesse, pode-se imaginar o quão rápido acabaria, posto que em uma geração a maioria dos americanos será de ascendência não-européia.

O que ele pode fazer, na prática, é reconhecer tais pessoas como a "fundação étnica" de facto do império (algo que os soberanos anteriores haviam negligentemente ignorado em suas tentativas de cortear apoio faccional).

Em outras palavras, se as necessidades da Itália não são atendidas, por que ter o Império Romano? Por que conceder direitos aos foederatii (bárbaros aliados) se não há benefício para os latinos? Este é o enigma do americano branco, o eleitor democrático de massa cujas sensibilidades tribais foram absorvidas no processo de manter o imperium.

Quando os americanos falam de sua nação estão, na verdade, se referindo a um império. Um império produz uma espécie de supremacia complexa, ou melhor, uma primazia (ou seja, o status de ser o primeiro no ranking, em vez de supremo por qualquer razão incondicional inata). Não é à toa que o Manhattanite (cidadão de Manhattan) pensa que as pessoas de Ohio e Pensilvânia são superiores às do rio Mississippi ou do sul da Califórnia. Mas há muitos deles, e eles formam um enorme bloco contíguo no coração imperial e fornecem muitos dos oficiais, soldados e impostos. Seus antepassados construíram este país a partir da vastidão selvagem e forneceram-lhe valores, instituições e cultura. Eles são objetivamente importantes. Se eles esmorecerem e deixarem o palco, não há garantia de que eles possam ser facilmente substituídos. Afinal, o Império Romano não sobreviveu à germanização. Como as eleições demonstraram, os votos solidamente democratas afro-americanos ou latinos nunca foram decisórios, o que importava era aumentar a participação do voto branco democrático de massa, conquistar a fundação étnica. Trump beneficiou-se mais da participação afro-americana deprimida ganhando mais votos de afro-americanos do que candidatos republicanos anteriores. É difícil considerar decisivo aqueles que optam por não decidir.

Dos discursos de Trump, a impressão que se tem é que ele pretende governar pelos interesses dos brancos democráticos de massa. Poucos negariam isso, dadas as suas propostas à "classe operária branca" em tudo menos no nome. Quase todas questões-chave dele são questões-chave dela. Mas ele deixa claro que vai presidir um estado imperial pan-racial - não um branco - e agir de acordo. Para Trump, os americanos brancos são parte de um todo, embora uma parte importante e que tem sido "esquecida", em suas palavras. Ele os torna primários em suas proclamações políticas, mas sem punir os outros grupos, de fato pisando no chão com cuidado. Talvez a parte mais memorável da inauguração tenha sido essa:

"É hora de lembrar que aquela velha sabedoria que nossos soldados nunca esquecem: se somos negros ou pardos ou brancos, todos sangramos o mesmo sangue vermelho dos patriotas, todos desfrutamos das mesmas gloriosas liberdades e todos saudamos a mesma grande bandeira americana. Se uma criança nasce na expansão urbana de Detroit ou nas planícies cheias de vento do Nebraska, eles olham para o mesmo céu à noite, enchem seus corações com os mesmos sonhos e são infundidos com o sopro de vida pelo mesmo Criador todo-poderoso."

Poderia ser chamado de "cuckservative" (conservador fraco, de valores liberais) mas, por outro lado, o orador chegou a suspender todas as viagens de sete países muçulmanos, propôs deportar a população imigrante ilegal majoritariamente mestiça, cercar a fronteira sul e reprimir os acordos internacionais a serviço primeiramente dos globalistas e depois dos americanos.

Se este fosse o limite das já breves preocupações ideológicas de Trump, teríamos de concluir que ele é um pouco mais que um conservador tagarela. Mas, em conjunto com a doutrina da América Primeiro - América First -, a ideia de que as ações tomadas devem beneficiar os cidadãos antes das facções e interesses externos, e o programa revanchista de Fazer a América Grande Novamente - Make America Great Again, no papel prescreve ser muito mais do que isso (um conservador tagarela).

Então, o que o trumpismo é não pode ser completamente encaixotado como apenas nacionalismo e populismo. Talvez em qualquer outro país poderia, mas a América continua a ser excepcional, uma vez que o "nacionalismo" americano é inerentemente imperial. Trump não é nenhum caudilho no controle de uma província do sistema internacional de estados, afrontando as grandes potências até ser arrastado para fora do palácio e ser executado por partidários. O centro nervoso do bloco civilizacional mais poderoso do mundo foi tomado. Por falta de termo melhor, isso é uma grande coisa. E é uma grande coisa a pessoa no leme saber que é uma grande coisa. Ele sabe que algo está podre e que seu trabalho não é meramente preservar o status quo e dispensar despojos, mas sim administrar. A seriedade e a deliberação com que Trump se aproxima do conceito de restauração e a tarefa crucial de diagnosticar e reparar as ameaças aos Estados Unidos ressalta uma mentalidade verdadeiramente imperial.

Isso é muito menos uma ideologia sobre como puxar alavancas de poder para beneficiar facções e muito mais um abraço de soberania sobre um todo unitário. Ao contrário do presidente anterior, sua agenda não é um multiculturalismo armado, e sim uma de cuidar da base étnica e dos povos menores do império. Este é alguém que compreendeu a gravidade de sua tarefa o tempo todo enquanto sua aparente falta de esforço foi confundida com ingenuidade. Os paradigmas governantes propostos por Trump para o país são essencialmente extensões de como ele já governou sobre sua dinastia e seus títulos. As pessoas devem ser cuidadas e seus patrimônios devem ser a inveja do mundo. O pater familias (chefe familiar) é a raiz de todo o estadismo e sua forma mais estável.

Vida longa ao Deus-Imperador. Faça a América Grande Novamente.

¹: "Nos Estados Unidos, o termo americano-hifenizado é um epíteto comumente usado de 1890 a 1920 para depreciar americanos que eram de origem estrangeira, ou que demonstrou lealdade a um país estrangeiro". Ex.: ítalo-americanos, polonês-americanos, hispano-americanos.

Original: http://www.socialmatter.net/2017/02/02/trumpism-reforging-imperial-america/

 

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