O Espírito de Época e o niilismo contemporâneo
- Bertram Schweickert
- 28 de nov. de 2016
- 6 min de leitura
Uma das causas do niilismo de nosso tempo é que o Homem não encontrou o seu Espírito de Época - seu Zeitgeist. Hesíodo dividiu as Eras do Homem em 5 (Ouro, Prata, Bronze, Heróis e Ferro), os hindus acreditam em 4 Eras (Satya Yuga, Treta Yuga, Dvapara Yuga e Kali Yuga). Por convenção, temos também da divisão da Periodização da História, em Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea. Levaremos principalmente esta em conta, visto que ela leva em conta o desenvolvimento do Homem no mundo, enquanto as outras duas tangem também ao mundo metafísico.
Podemos então evidenciar um espírito de cada uma das épocas da Periodização da História. Ainda que seja impossível resumir uma época inteira em apenas um aspecto, existe, porém, destacar uma característica central. Seguindo a cronologia, comecemos pela a Idade Antiga. O espírito da Idade Antiga é o civilizacional, pois é neste período que o Homem se descobre como um ser social e a partir disso, desenvolve sociedades complexas. O conceito chave aqui é a definição de Aristóteles do Homem enquanto animal político, visto que descreve a natureza do Homem – um animal racional que fala e pensa (zoon logikon) – , em sua interação necessária na cidade-Estado (pólis). Em resumo, para Aristóteles, o Homem é um animal político pois se realiza plenamente no âmbito da pólis. A “cidade ou a sociedade política” é o “bem mais elevado” e por isso os homens se associam em células, da família ao pequeno burgo, e a reunião desses agrupamentos resulta na cidade e no Estado. Durante essa época surgem grandes civilizações, que irão moldar o mundo culturalmente e politicamente. O espírito dessa época será a constituição do alicerce civilizacional para as épocas posteriores. A partir de então, o Homem se constitui como um ser social.
Com a queda do Império Romano, a maior das civilizações da Idade Antiga, inicia-se o período da Idade Média. Este período é marcado por uma grande introspecção, tanto do Homem, como de toda a sociedade. O Homem cerca-se em feudos e sociedades descentralizadas e isoladas. Os locais de cultos, antes feitos ao ar livre, também são transferidos para ambientes fechados - a Igreja. O Homem dedica-se ao estudo de si mesmo, de sua fé e de seu espírito. Criam-se as Universidades, que buscam o aprofundamento no estudo da verdade e das ciências, visando maior conexão com o Sagrado. Dificilmente neste período o Homem tinha contato com o Profano, visto que até mesmo as guerras possuíam caráter sacro. É nesse período que ocorre o aprofundamento com o Sagrado e a descoberta do Homem enquanto ser espiritual.
Com o advento da Idade Moderna, sendo sociavelmente e espiritualmente forte, o Homem entra em uma era de descobrimentos. Novos continentes e novos povos são descobertos com as navegações. Com os movimentos do humanismo, renascimento e iluminismo, o Homem centra-se em si mesmo, porém não espiritualmente como na Idade Média, porém intelectualmente. "Penso, logo existo", frase de autoria de René Descartes, marca o espírito desta época, caracterizada por um pensamento antropocêntrico, em que o Homem molda o mundo de acordo com a sua Razão. Há nesta era um grande desenvolvimento científico, marcando a acepção do Homem na qualidade de ser intelectual.
Após longo desenvolvimento nestas três eras, o Homem contemporâneo também incorporaria um Espírito de Época. O que marca então a Idade Contemporânea? Supõe-se que a partir da constituição enquanto ser social, espiritual e intelectual, o Homem contemporâneo seria capaz de sintetizar estes diferentes espíritos e incorporá-los em uma nova e completa expressão. Porém o resultado é completamente diferente do esperado. O Homem contemporâneo encarnou um espírito individualista, rejeitando a sua concepção enquanto ser social. Tornou-se materialista e profano, desconsagrando-se e rejeitando sua espiritualidade. Poderia se pensar que manteve o seu caráter intelectual, porém o Homem abdicou de seu caráter produtivo, adotando um caráter consumista. Recusa tudo aquilo que possui caráter longevo e de construção através de estratos, para a aceitação de algo efêmero e de prazer instantâneo. Por conta deste imediatismo, como pode continuar sendo um ser intelectual, se o conhecimento provém da meditação, introspecção e reflexão? O Homem contemporâneo não cria e nem produz, apenas reproduz e consome.
Longe de qualquer romantismo em considerar as eras anteriores como perfeitas e infalíveis, porém é visível que a atual era é a pior comparada às antecessoras. Tento não ser pessimista em adotar o exemplo a seguir como Espírito de Época do Homem contemporâneo, porém esta é a sua atual expressão. O espírito contemporâneo é o espírito do fogo. Quanto mais alimentado, mais o fogo consome com uma fome insaciável. Cresce de tamanho e devora aquilo que está à sua frente. O Homem tornou-se destrutivo. Destrói a natureza e, através de armas de fogo e de destruição em massa, destrói a si mesmo. Por conta desta destruição, cria-se um grande vazio dentro do espírito do Homem contemporâneo, um grande nihil, estabelecendo o niilismo que impera o Homem. O fogo nos conduziu à entrada da Idade do Ferro.
Eis que então se vê necessário a retomada aos conceitos de Hesíodo e do hinduísmo sobre a Idade do Ferro. Hesíodo define a Idade do Ferro como a mais terrível de todas. Um tempo incessante de misérias e angústia. Em sua obra Os Trabalhos e os Dias, Hesíodo descreve essa era sendo:
Que eu não mais fizesse parte então da quinta raça de homens, mas tivesse morrido antes ou nascido depois. Pois a raça agora é bem a de ferro. Nem de dia terão pausa da fadiga e da miséria, nem à noite deixarão de se consumir: os deuses lhes darão duras preocupações. Mas mesmo para tais homens hão de se misturar bens aos males.
Nem o pai será concorde com os filhos, nem os filhos com o pai, nem hóspede com anfitrião, nem companheiro com companheiro; nem um irmão será querido, tal como era antes.
Desprezarão os pais logo que envelheçam, e vão repreendê-los proferindo duras palavras, os cruéis, ignorando a vingança divina; e nem mesmo dariam aos velhos pais retorno pelo alimento que tiveram na infância.
O direito da força: um saqueará do outro a cidade. Nenhum apreço haverá por quem é fiel aos juramentos, pelo justo ou pelo bom: antes o malfeitor e o homem-vil honrarão. A sentença estará na força; reverência não existirá. O covarde fará mal ao homem de maior valor com discursos tortuosos, e a seguir dirá “juro”.
A inveja todos os humanos miseráveis acompanhará, voz dissonante, face odiosa, comprazendo-se no mal. Será então que, da terra de largos caminhos, partindo para o Olimpo, a bela tez a cobrir com véus brancos, irão ter com a tribo dos imortais, deixando os humanos, Reverência e Indignação. E ficarão para trás dores amargas para os humanos perecíveis: não haverá defesa contra o mal.
Ainda que Hesíodo se descreva como sendo parte da Idade do Ferro, ele não poderia esperar que ela poderia se tornar tão forte no futuro. Os hindus também acreditam que já estamos na Idade do Ferro - o Kali Yuga - há mais de 5000 anos.
A essência do Kali Yuga é a causa do afastamento entre o homem e a natureza e de toda a devastação do mundo moderno, levando à perda de contacto com a ordem cósmica, onde a mente da humanidade se fixa nos elementos mais densos e materiais da realidade. É uma Era onde dominam as guerras, os vícios, a ignorância, e que se encontra destituída de todas as virtudes. Os líderes que governam as nações são violentos, corruptos, exploradores dos seus povos, tornando-se deste modo num mundo pervertido, onde impera o caos, a fome, as doenças, a destruição, o egoísmo desmedido, a materialidade, a maldade e a falta de respeito do Homem pelo seu semelhante.
[...] O bem-estar e a religiosidade diminuirão de dia para dia, até que o mundo se torne completamente depravado… O patrimônio conferirá por si só a posição social; a riqueza será a única fonte de devoção; a paixão será o único laço de união entre os sexos; a falsidade será o único fator de sucesso nos litígios; e as mulheres serão usadas como objecto de satisfação puramente sexual. A aparência externa será o único distintivo das diversas ordens de vida. A falta de honestidade será o meio de subsistência universal; a fraqueza a causa da dependência. [...] Assim, na Idade do Kali Yuga a decadência prosseguirá constantemente, até que a raça humana se aproxime do seu aniquilamento. [1]
Ouso dizer que a Idade do Ferro e o Kali Yuga tiveram início - ou sua maior expressão - contrariando o que Hesíodo e os hindus atestam sobre terem iniciado há milênios, na Idade Contemporânea. Cabe a nós superarmos e evitarmos tal caminho devastador. O caminho do Homem Contemporâneo deve ser a busca pela união entre o espírito social, espiritual e intelectual, formando um Homem Íntegro. Assim, unindo nossas forças em um só corpo, um só espírito e uma só mente, poderemos combater o fogo destrutivo que consome nossas vidas.

[1] Kālī Yuga e a Lei dos Ciclos: http://fundacaomaitreya.com/artigo.php?ida=714
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