Liberdade Chestertoniana
- Traduzido por Bertram Schweickert
- 29 de set. de 2017
- 6 min de leitura
Autoria de C.A. SHOULTZ de SOCIAL MATTER
Parece que, a partir das manchetes recentes no noticiário, a noção de "liberdade" está mais uma vez no topo da imaginação americana. Isso pode ser atribuído a algumas das palavras recentemente professadas pelo assessor político sênior da Casa Branca, Stephen Miller, sobre a própria noção de liberdade da qual os americanos se orgulham, sobre a grandiosa estátua de cobre que está erguida contra o oceano no porto de Nova York. O argumento de Miller é que há uma distinção entre a liberdade que a estátua promete e a oferta de asilo para os pobres contidos no poema sobre a estátua. Segundo Miller, este poema, escrito por Emma Lazarus, foi adicionado mais tarde. Miller acrescenta que ele não acredita que o poema obriga os Estados Unidos a serem menos que seletivos em relação a quem é permitido entrar no país - quem, em outras palavras, deve ser autorizado a desfrutar da liberdade pela qual os Estados Unidos são tão conhecidos em todo o mundo.
Neste caso, é o embrião de uma ideia provoca um exame mais aprofundado, a saber, qual a ideia de liberdade. O que, precisamente, é a liberdade? De onde vem? A quem é concedido e em que medida?
Pode valer a pena recorrer aos pensamentos de outro homem sobre o assunto. Gilbert K. Chesterton ocupou um lugar preeminente na vida intelectual da Grã-Bretanha no final do século XIX e início do século XX, um momento em que o lugar da Grã-Bretanha na ordem global era aproximadamente análogo ao dos Estados Unidos no tempo presente; de forma correspondente, muitos dos problemas que Chesterton refletiu extensivamente são questões que ainda nos animam e provocam. Como Chesterton, além disso, era um pensador de grande originalidade e agudeza, suas palavras sobre qualquer assunto, ainda mais um assunto tão importante, porém nebuloso, como "liberdade", são dignas de consideração.
Em seu ensaio "The Free Man", o Sr. Chesterton abre dizendo: "A ideia de liberdade tem, fundamentalmente, uma raiz religiosa; é por isso que os homens acham tão fácil morrer por ela e tão difícil defini-la." Pouco depois, ele observa que o elemento essencial da liberdade é o fato de que "enquanto a ostra e a palmeira têm de salvar suas vidas (sobreviver) por lei (natural), o homem deve salvar sua alma por escolha." Para Chesterton, a verdadeira liberdade tem origens divinas, mas o homem é tão livre que, no alvorecer da espécie, ele era livre para amaldiçoar-se. Portanto, até certo ponto, Chesterton considera a liberdade como inescapável. O homem é um liberal inato nesse sentido.
Mas pode-se ir mais longe e examinar exatamente o que uma concepção particularmente Chestertoniana de liberdade implicaria completamente. Mais tarde, no ensaio, Chesterton observa: "Geralmente, a substância moral da liberdade é esta: que o homem não se destina apenas a receber boas leis, boa comida ou boas condições, como uma árvore em um jardim; mas deve ter um certo prazer principesco em selecionar e moldar, assim como um jardineiro." E um pouco mais abaixo: "Em seu sentido espiritual primário, a liberdade é o deus no homem ou, se você gosta da palavra, o artista."
O jardineiro, o artista, o deus: todos criadores, todos seres com, talvez, liberdade ilimitada - os últimos dois mais do que o primeiro, mas o princípio é consistente. No entanto, essas figuras de liberdade que Chesterton traz à mente coloca liberdade à par com outra coisa: responsabilidade ou, em outras palavras, dever. O jardineiro tem o dever de plantar e podar seu jardim de forma a garantir a saúde e o crescimento contínuo de tudo nele. O artista tem o dever de criar sua arte de maneira a garantir tanto que ela seja linda, como que seja totalmente comunicativa podendo transmitir de fato a mensagem a qual destinou-se sua criação. O deus tem um dever para com as coisas que ele cria, o universo que ele deseja, para assegurar que haja pelo menos alguma medida de bondade nela.
Mais uma vez, devo salientar que todos os três são absolutamente livres dentro de seus próprios domínios. Todos têm liberdade suprema, dentro de suas esferas, e ninguém julga-os. E, no entanto, pode-se dizer que essa liberdade os coloca como juízes sobre si mesmos. Ter essa liberdade em tal espaço é, por assim dizer, possuir a obrigação de usar essa liberdade de uma certa maneira. Não é uma compulsão escravizante - lembre-se do que eu disse antes -, mas um espírito de generosidade, de boa vontade.
E para mim esse é o núcleo da concepção de liberdade de Chesterton, razão pela qual ele é tão apaixonado por todo seu conservadorismo. Para Chesterton, esta liberdade antiquada traz consigo liberdade absoluta, mas essa liberdade, por sua vez, traz consigo uma expectativa de como deveria ser usada. Não "pode ser", mas "deve ser". A liberdade é poderosa, como vimos. É poderosa o suficiente para que possa ser perigosa se usada de determinadas formas. Então, no sentido Chestertoniano, a liberdade deve ser usada de maneiras que não são perigosas - que sejam, de fato, benéficas, tanto em grande quanto em pequena proporçãp. A liberdade deve ser usada para fazer o bem. E, claro, isso vem com o habitual julgamento prudencial sobre o que uma boa ação pode ser em qualquer momento. Na verdade, para se inspirar em Platão, pode-se dizer que a liberdade deve ser casada com a prudência. A liberdade deve ser bem usada.
Pode-se, de fato, dizer que isso não é mera e simples liberdade. Pode-se também chamá-la de liberdade feudal, na medida em que é precisamente o tipo de liberdade que sustentou a paz que havia no período medieval. As terras e os reinos da Europa neste tempo foram governados nominalmente por reis, com seus vários duques, barões, cavaleiros e assim por diante. Mas, de fato, o rei em termos práticos não tinha o meio de impor sua superioridade. Ele não tinha seu próprio exército. Em vez disso, os vários senhores abaixo dele tinham seus próprios exércitos, seus próprios cavaleiros e homens de armas, e se eles assim escolhessem, em qualquer momento eles poderiam se unir, derrubar o rei e colocar um deles em seu lugar.
Mas para fazer isso, como Shakespeare demonstra tão bem em seu Henriad, é convidar a rebelião, o caos e a lamentação para ocupar toda a terra, com muito sofrimento e derramamento de sangue inevitavelmente resultantes. Para exemplificar o assunto nos termos que usamos, os senhores tiveram a liberdade de derrubar o rei. No entanto, eles tinham consciência - eram prudentes, porque sabiam as consequências que tal ato traria. Por sua própria escolha livre, eles se submeteram à autoridade do rei e o chamaram de superior. E na era moderna de democracias e das repúblicas, a liberdade do homem votante e pagador de impostos não é menos presente. Talvez ele não esteja equipado com um exército como o senhor feudal. No entanto, ele possui o poder de decidir o governo que o governa. Em nossa era, pode-se até mesmo argumentar que a liberdade é muito maior que a do senhor feudal. Liberado das preocupações com a doença, a fome, a guerra e a ameaça de pragas, o homem moderno é mais livre hoje do que talvez em qualquer ponto da história. Todo o mundo está diante dele; ele pode atravessá-lo sem aflição ou preocupação. No entanto, pode-se dizer que um resultado proporcionalmente maior exige uma resposta proporcionalmente maior.
O homem moderno tem muito mais liberdade do que o homem medieval. Ele tem, portanto, um dever imensamente maior em usar sua liberdade da maneira que deve ser usada. Ele tem o dever de escolher com prudência seus líderes, seu cônjuge e a maneira como ele gasta seu dinheiro. Ele tem o dever de se comportar de maneiras que deixam sua família, sua nação e seu planeta em uma condição pelo menos tão boa como ele encontrou, se não uma condição ainda melhor. Ele tem o dever de entender a si próprio, ao mundo e às condições de sua vida; isto é, ele tem o dever de não ser ignorante das coisas que dizem respeito a ele e aos outros. Ele tem um dever, como todos os homens tiveram, de ser prudente, ser justo e ser sábio. E ele não pode evitar seus deveres, pois, ao contrário do homem medieval, existe uma grande probabilidade de que ninguém esteja em posição substancial para lhe dizer o que fazer. O homem moderno deve agir por sua própria iniciativa.
Concluo com as palavras de outro homem que, a seu modo, era um pensador tão grandioso quanto Chesterton. O Papa São João Paulo, o Grande, em sua jornada de 1995 para os Estados Unidos, realizou uma missa no estádio de baseball dos Baltimore Orioles no domingo, 8 de outubro. Na sua homilia naquele dia, o santo refletiu sobre a fundação dos Estados Unidos, que acima de todas as nações subsiste em um único princípio. Como Chesterton observou uma vez: "A América é a única nação do mundo fundada em um credo." E, claro, esse credo, essas palavras sagradas estabelecidas tanto na Declaração de Independência quanto na Constituição, são, acima de tudo, fixadas na independência e liberdade.
Na homilia, Sua Santidade observou que a verdadeira liberdade - a verdadeira independência - exigia um compromisso com a verdade como alicerce e, em particular, um compromisso com uma verdade moral. Ele então pronunciou a frase que demonstrou a singularidade desta homilia: "Toda geração de americanos precisa saber que a liberdade consiste não apenas em fazer o que gostamos, mas em ter o direito de fazer o que devemos."

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